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Publicado em 16/03/2022, 17:37

Hoje o contato com diferentes sons faz parte da nossa rotina.  Entretanto, durante muito tempo, ouvir a voz de alguém distante era apenas um sonho. Pesquisadores de diferentes países trabalharam para desenvolver formas de transmitir mensagens à distância sem contato pessoal entre o emissor e o receptor.  Pesquisas relacionadas às ondas eletromagnéticas, e as experiências adquiridas com o telégrafo e o telefone foram a base para o desenvolvimento do rádio como meio de comunicação de massa entre 1830 e 1910. 

No começo do século XX, o mundo avançava na  transmissão de informações por telégrafo. No entanto, os pesquisadores dessa época enfrentavam o grande desafio de transmitir sons sem o uso de fios, procurando soluções para o seguinte problema: como obter a estabilidade no fluxo de ondas eletromagnéticas necessárias  para a transmissão da voz humana? 

Uma solução foi encontrada pelo norte-americano  Lee DeForest, em 1906. Inspirado no diodo inventado pelo inglês John Ambrose Flemming, ele desenvolveu o triodo, uma válvula amplificadora que aumenta o sinal e o estabiliza. Foi uma invenção fundamental para o começo da radiodifusão sonora. 

Com a resolução do maior problema para a transmissão sonora, em dezembro de 1906, aconteceu a primeira transmissão de rádio comprovada e eficiente. Reginald A. Fessenden transmitiu o som de um violino, de trechos da Bíblia e de uma gravação fonográfica. As emissões partiram da estação em Massachussetts e foram ouvidas em navios da costa norte-americana. Para realizar a transmissão de sons e voz humana, Fessenden desenvolveu a teoria da onda contínua: a onda sonora era sobreposta à onda de rádio e transmitida para o receptor, onde o ouvinte recebia apenas o som. 

Essa experiência, no entanto, não significou o surgimento do rádio. Foi uma transmissão de sons por ondas eletromagnéticas, mas ainda não da maneira que conhecemos por rádio. O rádio começa a tomar forma apenas 10 anos depois da experiência de Fessenden. 

O Surgimento do Rádio

As primeiras experiências de radiodifusão ainda pensavam na comunicação de apenas duas pessoas. Foi David Sarnoff, integrante da Marconi Company, que elaborou o conceito de rádio. Ele propôs a sua companhia que convertessem o rádio em um meio de entretenimento doméstico.  A ideia principal era levar música, conferências e notícias por meio da transmissão sem fio para aparelhos receptores que teriam o formato de uma caixa de música radiotelefônica. Sua proposta intuía o potencial da radiodifusão como meio de comunicação de massas. Todavia, sua sugestão não foi aceita pela empresa.

Foi na garagem de Frank Conrad que se colocou em prática a radiodifusão como forma de comunicação mais ampla. Em seus trabalhos matinais, Conrad substituiu o fonógrafo por um microfone. Ele descobriu que pessoas que construíram seus próprios receptores de galena escutavam as músicas de sua garagem. Elas escreviam  e telefonavam  pedindo mais canções e notícias. Então, Frank Conrad decidiu organizar programas para seus ouvintes. A popularidade nas transmissões de Conrad despertaram o interesse do vice-presidente da Westinghouse que resolveu criar a KDKA, primeira emissora de rádio do mundo.

O rádio no Brasil

O rádio surgiu no Brasil durante os festejos do Centenário da Independência, em 1922. Havia o desejo de demonstrar que o Brasil era próspero e desenvolvido e  realizar a primeira transmissão de rádio do país visava este objetivo. Os visitantes do pavilhão principal dos festejos puderam ouvir o discurso do presidente Epitácio Pessoa e trechos da ópera Guarany, executados no Teatro Municipal. No ano seguinte, Roquette Pinto inaugurou a primeira emissora brasileira: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro cujo objetivo era criar uma programação basicamente cultural e educativa. 

As primeiras emissoras dos  anos 1920 tiveram que lidar com dificuldades como a falta de recursos, a escassez e precariedade dos aparelhos receptores, a falta de anunciantes e a incerteza de conseguir retorno para o alto investimento necessário. Como forma de garantir a sustentabilidade, a maioria das estações funcionava com caráter de associação, ou seja, eram patrocinadas pela contribuição mensal de seus sócios. Era muito caro receber as transmissões radiofônicas, pois o equipamento e a assinatura de membro de uma rádio não tinham preço acessível. Dessa forma, o público inicial era formado por uma elite que exigia uma programação sofisticada e erudita. Havia, entretanto, reclamações sobre o excesso de chiados e ruídos nas transmissões.

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Revista Careta – 07 de fevereiro de 1925

Outra questão que pode ter freado o desenvolvimento do rádio nos anos 1920, foi o conturbado contexto social e político do Brasil.  Neste período, o país passou pelo movimento tenentista, pela Coluna Prestes e por períodos constantes de estado de sítio. Possivelmente o governo preocupou-se com o perigo do novo meio de comunicação, mesmo que as emissoras evitassem qualquer crítica política exacerbada. Somente o governo podia permitir anúncios comerciais rádio-telefônicos. Dessa forma, não havia permissão para as propagandas no rádio, que aconteciam de maneira extraoficial e improvisada. Esse foi um empecilho significativo para o  desenvolvimento do rádio em terra tupiniquins, mas não impediu o aumento no número de emissoras. O cenário começa a mudar após a Revolução de 1930, quando se regularizou o rádio e foram elaboradas legislações favoráveis como o Decreto-Lei nº 21.111, de 1932, que autorizava veiculação de propaganda nas emissoras.

A partir do Estado Novo (1937-1945) , o rádio foi considerado estratégico para difundir os ideais estadonovistas. O novo meio de comunicação era percebido como instrumento de educação e difusão cultural. Por isso se buscou controlar o conteúdo transmitido pelas rádios. Em 1939, Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)  que tinha uma Divisão de Rádio cujas atribuições eram verificar e censurar o conteúdo difundido nas emissoras. Como as transmissões não eram gravadas e sim feitas ao vivo, o DIP destacava censores para ouvir as estações e elaborar seus pareceres. Essa divisão também era responsável por um programa de rádio oficial transmitido em horário nobre: a Hora do Brasil. A mensagem de patriotismo, civilismo e progresso era acompanhada pelo samba, promovido a ritmo musical nacional. No entanto, era um samba mais “correto”, com incentivos para que os compositores enaltecessem o trabalho e abandonassem o elogio à malandragem. O  DIP promovia concursos de músicas carnavalescas e estava envolvido com os desfiles de carnaval, as estações de rádio e as gravadoras de discos, favorecendo a propagação do samba exaltação.

Popularização

O preço dos aparelhos ainda era proibitivo para a maior parte da população. Contudo, o rádio começava a ganhar popularidade e a fazer parte do cotidiano. A criação de rádios com alto falantes possibilitou  a escuta coletiva.  As pessoas podiam ver os aparelhos nas vitrines das lojas que proliferavam nos centros das cidades e se juntar ali para ouvir os sons que ecoavam para as ruas. Muitos visitavam os vizinhos afortunados para ouvir as transmissões. As pessoas que tinham rádio abriam as janelas de suas casas para que mais gente pudesse ouvir.. Além disso, algumas cidades criaram pontos coletivos para a audição, como salas, escolas, praças e teatros. Entre 1930 e 1937, 42 emissoras de rádio foram fundadas. Em 1937 esse número pulou para 62 emissoras. Em 1945, o Brasil contava com 111 estações de rádio.

Se inicialmente o rádio começou um caráter educativo, gradualmente mudou sua programação para agradar um gosto mais popular. Já nos anos 1930 começaram a surgir emissoras focadas no lucro comercial, como a Rádio Record (PRB-9) , fundada em junho de 1931. Organizada por Cesar Ladeira, introduziu a contratação de um cast profissional e exclusivo com remuneração mensal. Começou então uma corrida das emissoras para contratar a peso de ouro astros populares e orquestras filarmônicas. Conforme as rádios se apresentavam como empreendimentos comerciais viáveis, várias empresas jornalísticas procuraram adquirir emissoras. A Rádio Tupi era ligada aos Diários Associados e a Rádio Nacional, ao grupo A Noite. Esta última se destacou desde sua fundação e ditou o modelo de programação radiofônica seguida no resto do país nos anos de 1940 e 1950.

Considera-se que, entre os anos 1940 e 1950, o Brasil viveu a época de ouro do rádio. A instalação de fábricas montadoras de aparelhos por aqui baixou  o preço da tecnologia. A popularização dos aparelhos receptores resultou na chegada do rádio a 91% dos domicílios no Rio de Janeiro e a 88% em São Paulo, no ano de 1948. 

Além da maior possibilidade de obter o equipamento, o público foi conquistado pela programação das emissoras. As rádios disponibilizavam uma programação voltada ao entretenimento, com programas de auditório, radionovelas e humorísticos. Havia também revistas especializadas para as quais o público enviava cartas com suas opiniões sobre os programas e onde podia conhecer o rosto, a vida e as fofocas dos radioatores. O público podia ficar mais próximo pagando ingresso para assistir sua novela ou programa favorito ao vivo no auditório da rádio. A Segunda Guerra Mundial também aumentou o interesse do público pelas notícias mais rápidas. 

Quanto mais ouvintes as rádios ganhavam, mais anunciantes se interessavam em patrocinar as transmissões. Eram comuns programas identificados com marcas de produtos modernos: Rádio Almanaque Kolinos, Repórter Esso e Cancioneiro Royal. Seja nos anúncios diretos ou na promoção de produtos dentro da programação, o rádio divulgou novos hábitos de consumo muito influenciados pelo american way of life. 

Com a popularização da televisão muitos esperavam o fim do rádio. No entanto, após um período de crise, o rádio se reestruturou e continuou presente no cotidiano das pessoas.  O modelo de sua programação inspirou muitos programas que assistimos hoje como novelas, programas de auditórios e musicais.   Seja no radinho de pilha ou na internet,  o rádio continua sendo um espaço de informação, debate e entretenimento.

Referências

BARBOSA, Marialva Carlos. História da comunicação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013

CALABRE, Lia. A Era do Rádio.Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

FERRARETO, Luiz Artur. Rádio o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Dora Luzzatto, 2007

UMA história do rádio no Rio Grande do Sul. Radionors, Porto Alegre,2018. Disponível em: http://www.radionors.jor.br/search/label/Apresenta%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 21 de fevereiro de 2022