acervos

Notícias

Publicado em 24/03/2022, 17:07

Quantas lembranças suas tem como cenário as ruas da cidade ou algum prédio especial? O cinema de rua, o museu, a praça favorita... Todos nós criamos nosso mapa afetivo. Nas esquinas da cidade, passado e presente encontram-se. Os prédios e as ruas antigas nos falam sobre a identidade, a vida, a estética e a visão de mundo de outra época, mas são também espaços para a construção de novas memórias e significados. Por isso podemos dizer que estes espaços não contam uma única história, mas sim múltiplas narrativas às quais sempre se  pode  acrescentar novas histórias. 

A humanidade sempre procurou marcar os lugares de circulação com elementos diferenciados que garantissem sua localização, seja com construções especiais ou com nomes e apelidos para certas localidades. Com Porto Alegre não seria diferente. Existe uma Porto Alegre que não está nos mapas oficiais, e que Luís Fernando Veríssimo chama de Cidade Fictícia. Nesta cidade, quase ninguém conhece o prédio da Receita Federal, mas isso muda se falarmos no “Chocolatão”. Pensando na cidade da memória porto alegrense, Veríssimo nos convida a imaginar as confusões que um turista munido apenas de um mapa encontraria ao tentar conhecer Porto Alegre pela primeira vez:

"Não deixe de conhecer a Rua da Praia’ . Certo, mas onde fica essa tal Rua da Praia? Se for pela lógica, o nosso hipotético visitante procurará a praia ao longo da qual corre a mítica rua, ou na qual ela começa ou termina. Logo descobrirá que não há nenhuma praia no Centro e que a principal rua da cidade se chama ‘dos Andradas’ ( e só ela se chama assim, porque os outros usam o nome antigo) e ninguém sabe por que era chamada “da Praia”[...]

Confuso, o visitante talvez resolva se queixar na prefeitura, mas deve ter cuidado, pode entrar no prédio errado. Existe uma prefeitura nova atrás da prefeitura velha, que por sua vez fica atrás de uma pracinha chamada não Porto Alegre, mas Montevidéu. Na prefeitura talvez lhe digam  para ir se queixar ao bispo, tendo que , para isto, subir a Rua da Ladeira até a Praça da Matriz. Mais confusão. [...]

[...]Ele então conclui que está numa cidade fictícia. o que se pode esperar de um lugar que fica à beira de um estuário e o chama de rio?

Decididamente, pensa o visitante, desistindo, Porto Alegre não está no mapa."

Além de muito divertido, o texto de Veríssimo nos mostra como criamos uma cidade fictícia, imaginária. Nosso exercício de apelidar as ruas, prédios e esquinas mostram um pouco de nossa relação com este patrimônio edificado. Os prédios históricos podem parecer um patrimônio muito concreto, mas também são a manifestação de idéias, concepções de cidade e de modernidade. No centro de Porto Alegre, o pedestre mais observador se deparará com múltiplos conceitos de cidade convivendo lado a lado: um prédio eclético vizinho a um modernista, grandes avenidas junto a praças de bairro, múltiplas alturas, prédios abandonados, torres de vidro no Estilo Internacional junto a exemplares Art Decó. São testemunhas do nosso esforço de nos apropriarmos do espaço onde a vida cotidiana acontece. O que consideramos patrimônio arquitetônico e qual nosso projeto de cidade é uma construção coletiva perpassada por interesses e conflitos sociais. Para quem se dirigem os projetos de “modernidade” da cidade? e para a memória de quem os prédios históricos são importantes? 

Aqui na exposição, convidamos você a passear com mais calma e mais atenção pelos prédios que hoje abrigam instituições culturais e de memória. Por mais que sejam construções que muitas vezes materializavam a hegemonia das elites, hoje abrigam instituições democráticas, abertas para que cada vez mais diferentes grupos ressignifiquem este patrimônio.