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Na ruas das cidades transitam pessoas com suas histórias, sonhos, sentimentos e dificuldades. Elas constroem seus lares, circulam por diferentes lugares no quais constroem relações sociais e significam os espaços, criando seus territórios. As ruas, a paisagem, o lago ou uma construção são espaços nos quais as pessoas constroem suas vivências.
No passado isso também acontecia e podemos conhecer algumas dessas histórias pelos registros fotográficos, jornais ,relatos de cronistas, viajantes e memorialistas. Luiz do Nascimento Ramos (1864-1937) foi um comerciante e fotógrafo amador que utilizava o pseudônimo de Lunara para expor suas fotos e participar de concursos fotográficos. Em 1900, ele publicou o álbum Vistas de Porto Alegre que registrava as bordas e margens da cidade, seus lugares e as pessoas que ali viveram. Em suas fotografias aparecem muitos ex-escravizados, cenas de família, carreteiros e a relação de diferentes pessoas com as águas do Guaíba..
O lago Guaíba, popularmente conhecido como Rio Guaíba, foi importante para a vida de muitas pessoas. Sem água encanada, haviam chafarizes e o lago no qual figuras como a aguadeira buscavam água. Lunara registrou uma dessas aguadeiras. A imagem retrata a importância do lago na vida das pessoas. A Praia do Riacho (atual rua Washington Luís), onde desaguava o Riacho ( atual Arroio Dilúvio), era o local preferido das lavadeiras no final do século XIX. Por ali navegavam canoas com frutas e outras mercadorias. Esta praia era também o espaço onde moças e rapazes, que vinham da Lomba do Liceu (atual rua Marechal Floriano), aproveitavam o fim de tarde. Nos finais de semana, a população dos bairros próximos passeava pela Praia do Riacho. O riacho e o lago garantiam a profissão de muitas pessoas, seu acesso à água e seu entretenimento.
Lunara também registrou o cotidiano de ex-escravizados como podemos ver na fotografia “Nhô João deixa disso”. A foto era tão conhecida que foi mencionada no romance O Perdão de Andradina de Oliveira, de 1910. A escritora descreve a imagem como uma belíssima fotografia de Lunara reproduzindo um casal de pretinhos velhos à frente de sua casa. Nhô João procura prender a mão da velhinha que volta o rosto envergonhada e exclama: Nhô João deixa disso! É claro que se trata da leitura de Andradina sobre uma narrativa imagética elaborada por Lunara carregada de suas visões culturais, sociais e políticas. No entanto, o fato dessas fotografias terem sido preservadas e chegado até nós, possibilita que conheçamos os rostos e um pouco do cotidiano de pessoas negras do começo do século XX .
Foi resgatando a memória fotográfica negra que Irene Santos publicou os livros Colonos e Quilombolas: Memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre e Negro em Preto e Branco: História Fotográfica da População Negra de Porto Alegre. Colonos e Quilombolas resgata memórias de territórios negros de Porto Alegre como Areal da Baronesa, a Ilhota, a Colônia Africana e o Quilombo da Família Silva focando principalmente nas vivências das pessoas que residiram ali. Fotografias, relatos , documentos guardados em caixas de recordações e recortes de jornais foram a base para construir essa narrativa. Negro em Preto e Branco nos conta uma história fotográfica. Seus retratos e paisagens nos mostram a beleza, a religiosidade, a educação, os trabalhos e divertimentos da população negra ao longo da história da cidade. O livro nos mostra os rostos, sejam famosos ou desconhecidos, que integram a história negra de Porto Alegre. Em suas páginas também conhecemos como estas pessoas se organizavam para ocupar os espaços da cidade. É possível conhecer a importância das sociedades, clubes e associações como lugares de socialização e organização e dos terreiros e das ruas como local de religiosidade e de afirmação de sua identidade. Percebemos também como as pessoas foram construindo pontos de encontro como o bar Luanda (localizado na Rua José do Patrocínio, nos anos 1960 ,1970 e 1980) e como a Esquina do Zaire, que juntava o pessoal do movimento negro, adolescentes e carnavalescos negros.